quarta-feira, 1 de abril de 2009

A eternidade e o instante

Certa vez, um amigo físico sugeriu-me pegar o átomo de césio 133 e olhar atentamente para um de seus níveis energéticos hiperfinos - tinha que ser em estado fundamental. Então, eu deveria esperar que houvesse uma mudança de nível com emissão de radiação. Isso ocorreria entre um tique e um taque, ele me avisou. Mas não seria como um hífen e sim como 9 bilhões de períodos de onda radioativa.

Em outras palavras, ele queria me mostrar que um segundo é muita coisa.

Mas nem sempre o instante foi um tempo com tanto significado. Durante várias centenas de anos, desde que o homem raciocinou a passagem do tempo através da linguagem, a morte era o que dava significado à vida. O devir era um projeto a longuíssimo prazo, pois tudo o que fosse feito teria que ser feito enquanto o sangue pulsasse nas veias. Os atos possuíam conseqüências e o julgamento era certo: para sempre no inferno, no limbo ou no paraíso. Depois desse curto período que é a vida, nada mais poderia ser mudado. Assim, Deus e eternidade se confundiam, dando ao cotidiano trabalho para o além.

A morte, longe de ser um ponto em algum lugar divinamente escolhido na linha temporal da vida das almas, tornou-se, no século XVIII, uma questão de probabilidade. Dependendo de suas condições materiais e psicológicas, uma pessoa teria tantos porcento de chance de viver tantos anos, com incerteza de mais ou menos alguns meses. Somado a isso, a eternidade, uma categoria infinita, tão certa quanto indecifrável, perdeu lugar para o absoluto, um conceito fechado pelas inumeráveis brechas criadas pela ciência.

A rapidez com que os eventos podem ocorrer hoje tanto jogou o Criador para escanteio como evidenciou ainda mais a falta de significado da existência. O que dá na mesma. Porém, buscar nomes para as coisas é o que torna o homem um ente privilegiado. E continuamos fazendo isso, com ou sem um futuro no horizonte.

Foi desse comportamento essencial de perguntar-se sobre si mesmo e sobre as coisas que a filosofia moderna encontrou novamente a unidade: ser é tempo. E cada época nos dá modalidades de ser para representarmos durante nossa vida.

Só para citar um exemplo, na literatura as formas breves foram ganhando espaço à medida que todas as outras atividades do cotidiano aumentaram de velocidade. Ninguém mais ousaria escrever um poema homérico como Os Lusíadas; já se sabe de antemão que não haverá leitor.

Novelas, contos, crônicas, folhetins, todos esses modos de ser da literatura moderna nasceram por uma exigência da época e vingaram pois a condição material já circulava pelas ruas, ou seja, as publicações periódicas. Os jornais e as revistas encaixaram-se perfeitamente na mentalidade do consumo descartável que estava nascendo.

É fácil perceber que, no experimentalismo do século XX, as artes chegariam a um de seus limites: o colapso ou a infinitude. Música e literatura atingiram o silêncio. As artes plásticas saíram dos seus limites convencionais e caminham pelo espaço. Não há mais escolas artísticas nem critérios para a estética.

A enorme variedade de informação disponível nos empurra para aleatórias combinações de elementos anacrônicos que, por mais que não tenhamos vivido-os, desde sempre nos pertencem, pois a cada momento trocamos os seus significados.

Talvez a mais importante dessas re-significações tenha sido o instante eterno.

primeiro de abril de 2009

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