quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Devaneio #17

O mundo digital não supera a experiência da materialidade.

A conexão existente entre sujeitos e entre objetos não pode ser alcançada no meio digital da mesma forma que é vivenciada no meio analógico. Todo o espaço digital é etéreo, e – ousando mais – talvez a experiência nele também o seja.

Não se pode navegar pelo mundo digital como se caminha por uma rua. Na rua há sempre um caminho que se repete e que constrói uma seqüência de eventos interconectados. Por exemplo, entre dois edifícios há um dialogo permanente, seja na estética, na finalidade, nos seus freqüentadores. Ao caminhar pela calçada, a relação entre seus transeuntes é inevitável, nem que ela se manifeste apenas através de um distraído olhar, da audição das ações a sua volta ou de um esbarrão entre os corpos. Nos espaços virtuais não pode existir o conceito de comunidade, pois a seqüência de espaços experienciados e os contextos na qual o espaço é vivido são sempre singulares; não há vizinhança, não há percursos compartilhados por seus visitantes. Chega-se a eles e os deixam sem levar companhias. Muitos viajantes se esbarram pelo caminho, mas a viagem é sempre solitária.

Um e-mail não transporta a “experiência de vida” que a carta traz em si. A carta está impregnada com a presença do seu remetente: há sua caligrafia, seus erros ortográficos, o borrão da palavra reescrita, a mancha de café, devaneios gráficos – um risco para testar a caneta, um desenho no cabeçalho, a rubrica. A materialidade da carta permite que mais formas perceptivas façam parte da interpretação deste evento. O e-mail existe num lugar inalcançável, onde a relação com ele se restringe a percepção visual e a afetação subjetiva.

A própria história documental fica ameaçada na era virtual. Onde estão os registros dos acontecimentos da semana passada? Quem acessará esses links? Qual a garantia de preservação ao longo do tempo, visto que podem ser deletados ou adulterados? A história documental impressa reverbera a sua existência no espaço/tempo, a publicação do fato permanece viva com o passar dos inúmeros acontecimentos cotidianos. Vários fascículos de um jornal foram distribuídos e alguns deles ainda circulam por bibliotecas ou porões, a noticia pode retornar a lembrança ao se organizar um estante, ao folhar distraidamente uma revista antiga. Na materialidade o passado ainda vive e a história se desenvolve a partir de fatos reais.

Não temo que o espaço virtual venha a ocupar todas as nossas formas de se relacionar e viver, pois este sempre estará fadado à pobreza perceptiva e a sua não materialidade. Penso que a supremacia hoje das redes sociais, dos meios virtuais de comunicação e entretenimento e na própria existência desse blog (e na sua capacidade de afetar a concretamente a realidade) como uma tendência passageira, o primeiro modismo cultural do século XXI, e que toma proporções tão grandes devido aos modismos surgidos a partir do século passado serem em escala mundial.

2 comentários:

Clara Cruz disse...

concordo plenamente! que surja uma época outra, inusitada: nem um retorno às cartas, nem a rendição aos meios virtuais de comunicação.. fazer bom proveito da tecnologia, sim. endeusá-la e substituir a experiência concreta e material por ela, nunca!

beijos :)

Dak disse...

Ótimo texto GBA,
Como diz a Clara, a experiência concreta e material é algo único. Me preocupo muito com a substituição da documentação em papel pela digital, na faculdade pro exemplo, os TCCs são entregues em arquivo digital em CD(os famosos PDFs), as consultas a esses documentos ficarão muito restritas, logo que há necessidade de um computador->programas específicos para leitura do arquivo->energia elétrica->e um leitor de CD(que logo ficará obsoleto).
O mundo digital é atraente, com armazenamento virtual, fotos e arquivos diversos podem deixar de existir em segundos, se chance de recuperar. Blogs e textos digitas são rápidos e bons difundidores de informações, mas abandonar os livros, jornais e álbuns de foto materias é arriscar demias nossa história. Só sabemos o que sabemos do Egito, pelos registros em paredes, esculturas e outras manifestações concretas. Imaginem um pós gerra bem apocalíptico, sem estabelecimento de energia elétrica durante anos e tanta informação preciosa para utilizar, sem recursos para alcançar, imaginem.